Por que será que este sentimento de fuga
me invade cada vez com mais intensidade? Será a necessidade de esvaziar esta
arca velha, de desabafar, de fugir de mim mesmo, de afastar o pensamento de
toda esta balbúrdia que me rodeia e me incomoda e de criar à minha volta, um
mundo novo, com gente a sorrir, sem pressas e sem competições? Utopia?!... Que
o seja, mas sinto muitas vezes esse impulso de reinventar outro mundo!
E nesse desejo, nessa ânsia, muitas
vezes, sem me aperceber, esqueço-me de mim mesmo e invento outra personagem.
Totalmente diferente. Uma silhueta quase irreconhecível, uma espécie de
fantasma, que pouco dura e que acaba por desaparecer submersa nas vagas da
minha própria imaginação.
É difícil fugir da aparência, da
fachada, da máscara com que disfarçamos uma felicidade que nunca atingimos. É
sempre difícil se não impossível despir completamente a indumentária que
vestimos ao longo de muitos anos.
E é também difícil localizarmos no nosso
imaginário aquele momento mágico em que nos foi oferecida a ocasião de optar,
de escolher o rumo certo, aquele que agora, depois desta longa distância
percorrida, pensamos teria sido o ideal...
Mas será que alguma vez na nossa
adolescência nos apercebemos desse momento enigmático, dessa encruzilhada de
caminhos que a vida nos mostrou para podermos escolher o tal rumo certo?!...
É curioso como apesar de todos estes
anos de peregrinação por este vale de lágrimas, esta ânsia de reinventar um
outro caminho que não o percorrido, continue, de vez em quando, a atravessar-se
nos meus pensamentos, colocando dúvidas e interrogações difíceis de satisfazer!
É curioso também que mesmo numa idade
avançada se continue a sonhar e a ter pesadelos. Sobretudo pesadelos, porque os
sonhos, quanto a mim, têm uma grande lógica interna e uma grande coerência
interior. Eles permitem-nos, enquanto duram, de alimentar esperanças dando-nos
alento e reforçar ainda que ficticiamente, a nossa auto-estima.
Todos nós temos virtudes e defeitos
tornando-se por isso, e à medida que o tempo vai passando, mais importante
consciencializarmo-nos das nossas imperfeições. Bem sei que nesse turbilhão de
ideias, nesse emaranhado de interrogações e sem possibilidade de voltar atrás,
nos resta apenas dominar os sentimentos e substituir as tendências negativas
pelas tendências positivas, lutar, reeducando-nos para a felicidade. Não a
felicidade completa, mas aquele estado de alma que nos proporciona todos os
dias a alegria de viver em paz connosco, sem ódios, sem remorsos, sem alimentar
sentimentos de inveja pelo vizinho do lado que é mais poderosos e rico.
Às vezes ando ás voltas dentro de mim, e
mesmo consciente de que por mais voltas que dê não vou para lado nenhum, tento
recriar, baseado no passado, um caminho diferente. Porém, como o passado, não
se refaz, não se recria, mas também não se pode abjurar, volto ao ponto de
partida – às interrogações, às reticências. E é sempre com elas, com
reticências que termino estas minhas
incursões àqueles momentos, a esse tempo que parou no tempo – ao meu tempo de menino…
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