sábado, maio 14, 2011

A ALDEIA DA MINHA INFÂNCIA

Penso que já uma vez vos falei dela. Da minha aldeia. Daquela aldeia antiga – sem luz eléctrica, sem automóveis, com uma fonte de chafurdo onde todos íamos beber água pura; com fruta bichada criada sem pesticidas; com bosta de vaca espalhada sobre o empedrado das calçadas; com gente abastada e com muita gente pobre, humilde, mas educada.
Já naquele tempo havia a senhora Dona Fulana, a Dona Sicrana e a Dona Beltrana, muito embora, por vezes, mal soubessem ler e escrever.
Dava-se-lhes esse título honorífico ou porque possuíam casas abastadas ou, então, porque eram casadas com as mais gradas individualidades da terra.
Analfabetas ou letradas, uma coisa lhes conferia essa diferença de trato – a educação e a maneira de conviver com todos sem distinção, quer fossem analfabetos, quer instruídos. E a reciprocidade de tratamento era, por isso, de regra.
Não havia desconhecidos, e a aldeia constituía um corpo social que reagia em uníssono. Todos se saudavam quando se cruzavam na rua e era desde o berço que os mais novos começavam a saber respeitar os seus semelhantes, não por obrigação imposta, mas pelo exemplo que lhes era dado em casa.
Recuei no tempo e recordei a aldeia da minha infância, porque são tantas as interrogações que me assaltam e é tamanha esta "pressa de viver» que me rodeia e atropela, que tentei encontrar refúgio nesses tempos em que a vida, como ainda hoje a Natureza, decorria serenamente, sem sobressaltos, com pouca tecnologia, mas com muito humanismo.
Mas é triste verificar que também nas nossas aldeias a educação e os costumes começam a abastardar-se, que os princípios da mais elementar moral começam a esquecer-se e que, por via disso, a Família, cada vez mais em crise, acabe por não ter significado.
Muitos dos nossos jovens não acatam os conselhos dos mais velhos, incluindo, por vezes, até os dos próprios progenitores. Olham-nos como de peças antigas se tratasse, rejeitando assim a experiência e a sabedoria que lhes poderiam servir de escudo protector para enfrentar os desafios do futuro cada vez mais desconhecido e incerto.
O desrespeito e a falta de educação que a certa altura da nossa vida julgávamos que só existiam nos grandes centros, alastrou, multiplicou-se e cá os temos mesmo à porta!
Sinto, por isso, de vez em quando, necessidade interior de me refugiar e voltar a esse tempo sem tempo, e de sonhar. Sonhar, sem humilhar o passado, mas também sem o usar como emblema. E escrevo. É uma arte de fuga. É um grito de vida. Às vezes afigura-se-me que Deus o ouve. Outras é o silêncio prolongado. Mas escrevo sempre. E recordo. É como quem faz uma peregrinação imaginária àquele pequeno cofre que, dentro de nós, continua a guardar a criança que outrora fomos...





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