sábado, outubro 18, 2014

SETENTA ANOS DEPOIS...


 

(A propósito do 6.º encontro do “Tomaz Ribeiro”)

Já muitas vezes vos tenho aqui falado da minha velha arca. De vez em quando abro-a, remexo, folheio os papéis amarelecidos, e com as mãos também já envelhecidas faço uma visita ao passado.

Alguns livros por que estudei, lá estão como que a recordar esse tempo distante e diferente – uns sem capa, outros com folhas descoladas, ali dormem misturados com papéis decrépitos, cheios de anotações e de muitas rasuras indiferentes ao correr do tempo e às modernas reformas.

Às vezes, e porque já são tantos, sinto vontade de rasgar alguns, de os queimar... Mas desisto sempre! Eles representam os meus (já poucos) cabelos brancos, as minhas rugas, as veias salientes das minhas mãos que o tempo tingiu de castanho-escuro. Papéis amarelecidos. Retratos desbotados. Pétalas de flores ressequidas. Cartas…

 

«Velhas cartas…Antigas confidências…

Recordações de tudo que se quis:

Que avivam do passado as ocorrências

- E a mocidade quanta coisa diz!...

 

Velhas cartas… Desfile de sequências…

Devaneios que, outrora, amando, fiz,

Pois o tempo transforma em reticências

Palavra e gesto … o que me fez feliz!

 

Releio-as uma a uma… Que ansiedade!

Adormecido mundo que desperta,

Que me envolve no manto da saudade.

 

E, hoje, minha existência é tão deserta,

Que revejo o fulgor da mocidade,

Como se fosse a derradeira oferta.»

 

E são estes papéis sem cor – este amontoado de coisas velhas, essas sebentas rabiscadas, esse “querer” sem “crer” de outrora – que fazem com que, de vez em quando, ao sentir-me perdido e baralhado no meio de todo este turbilhão de loucuras e de incertezas, me fazem subir as escadas, ir ao sótão, abrir a minha velha arca…e sonhar um pouco!

Não sou poeta, mas sou um fervoroso adepto dessa mistura de filosofia e de religiosidade que é a saudade. E as saudades são uma espécie de sonho, uma poesia abstracta... E para mim, esse sonho, se não é poesia, é metade da realidade...

 

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