Era
um homem corpulento caminhando lentamente e olhando o chão como que a procurar
o sítio onde devia colocar os pés. Quando entrou, estavam apenas duas pessoas
no café: um rapazito franzino atrás do balcão e um magricelas sentado lá no
canto, que chupava um cigarro e se entretinha a olhar as espirais que se
desprendiam das baforadas de fumo que lançava no ar.
O
desconhecido aproximou-se do balcão lentamente, tossiu para limpar a garganta e
aclarar a voz, expeliu o estorvo e disparou: «Tenho fome e sede e não tenho
dinheiro. Tenho sono e também não tenho dinheiro para pagar o quarto...»
O rapazito
do bar, assustado, arregalou os olhos. O magricelas parou de fumar, mediu o
colosso de alto a baixo e recomeçou a contemplação das espirais. E o
desconhecido insistiu: «Tenho fome, já disse! Quero comer. Se não...»
E
então o magriço, fanfarrão, e a sorrir, soltou uma gargalhada estridente que
encheu a sala... O empregado do bar, pouco à vontade, acelerou o movimento do
pano com que limpava o balcão. O estrangeiro, a passos lentos, aproximou-se do
homem do canto, puxou uma cadeira, sentou-se e berrou: «Ora repita lá a
risada...»
Fez-se
silêncio na sala. Um moscardo embateu fortemente contra o quebra-luz do candeeiro
do tecto. E enquanto o rapaz do bar olhava a porta como que a medir de antemão
a distância que teria de percorrer para fugir, o estrangeiro pousou as enormes
manápulas nos ombros do fumador, sacudiu-o com força e insistiu: «Vamos, ria lá
outra vez!...» Mas virando-se para o lado de onde vinha o matraquear dos passos
do franganote que se escapulia pela porta, olhou de novo o magricelas e,
sorridente, desabafou: «Não tenha medo, amigo. Isto é raiva, é a revolta que me
estoura o peito... Não é nada consigo! É com esta choldra que temos aí a
mandar...Estou velho, trabalhei durante toda a vida, contribuí para que esses
senhores hoje ganhem balúrdios e, agora, depois de ter sido um dócil
instrumento do sistema, tenho uma reforma que não dá para comer todos os dias.
Não tenho família, estou no mundo sozinho, e tenho fome. E porque roubar vai de
encontro ao que me ensinaram, ando por aí às esmolas...»
Entretanto,
um polícia surgiu na moldura da porta do café, talvez alertado pelo empregado
que fugira e pedira socorro. Sereno, o homenzarrão olhou-o sem manifestar
qualquer receio, levantou-se para o seguir e sorridente, disparou para o
magricelas que, de olhos arregalados, surpreendido, tinha parado de chupar no
cigarro: «Adeus, amigo! Nada mal. Hoje, pelo menos, tenho um tecto e uma
refeição quente!...»
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