quarta-feira, abril 03, 2013

UMA REFEIÇÃO QUENTE



Era um homem corpulento caminhando lentamente e olhando o chão como que a procurar o sítio onde devia colocar os pés. Quando entrou, estavam apenas duas pessoas no café: um rapazito franzino atrás do balcão e um magricelas sentado lá no canto, que chupava um cigarro e se entretinha a olhar as espirais que se desprendiam das baforadas de fumo que lançava no ar.
O desconhecido aproximou-se do balcão lentamente, tossiu para limpar a garganta e aclarar a voz, expeliu o estorvo e disparou: «Tenho fome e sede e não tenho dinheiro. Tenho sono e também não tenho dinheiro para pagar o quarto...»
O rapazito do bar, assustado, arregalou os olhos. O magricelas parou de fumar, mediu o colosso de alto a baixo e recomeçou a contemplação das espirais. E o desconhecido insistiu: «Tenho fome, já disse! Quero comer. Se não...»
E então o magriço, fanfarrão, e a sorrir, soltou uma gargalhada estridente que encheu a sala... O empregado do bar, pouco à vontade, acelerou o movimento do pano com que limpava o balcão. O estrangeiro, a passos lentos, aproximou-se do homem do canto, puxou uma cadeira, sentou-se e berrou: «Ora repita lá a risada...»
Fez-se silêncio na sala. Um moscardo embateu fortemente contra o quebra-luz do candeeiro do tecto. E enquanto o rapaz do bar olhava a porta como que a medir de antemão a distância que teria de percorrer para fugir, o estrangeiro pousou as enormes manápulas nos ombros do fumador, sacudiu-o com força e insistiu: «Vamos, ria lá outra vez!...» Mas virando-se para o lado de onde vinha o matraquear dos passos do franganote que se escapulia pela porta, olhou de novo o magricelas e, sorridente, desabafou: «Não tenha medo, amigo. Isto é raiva, é a revolta que me estoura o peito... Não é nada consigo! É com esta choldra que temos aí a mandar...Estou velho, trabalhei durante toda a vida, contribuí para que esses senhores hoje ganhem balúrdios e, agora, depois de ter sido um dócil instrumento do sistema, tenho uma reforma que não dá para comer todos os dias. Não tenho família, estou no mundo sozinho, e tenho fome. E porque roubar vai de encontro ao que me ensinaram, ando por aí às esmolas...»
Entretanto, um polícia surgiu na moldura da porta do café, talvez alertado pelo empregado que fugira e pedira socorro. Sereno, o homenzarrão olhou-o sem manifestar qualquer receio, levantou-se para o seguir e sorridente, disparou para o magricelas que, de olhos arregalados, surpreendido, tinha parado de chupar no cigarro: «Adeus, amigo! Nada mal. Hoje, pelo menos, tenho um tecto e uma refeição quente!...»
  











          


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