quarta-feira, abril 03, 2013

DIGAM LÁ SE ISTO NÃO É SINA


Serão já poucos os que ainda se lembram dos romances do escritor francês, Pierre Alexis, mais conhecido por Ponson du Terrail, um dos produtores mais populares do romance-folhetim do século XIX.


Na minha adolescência li quase todos os seus livros, sobretudo aqueles em que entrava uma espécie de "herói" que protagonizava as aventuras mais inverosímeis!
O autor celebrizou-se com um folhetim publicado numa revista francesa da época, La Patrie, e que ficou conhecida como a série dos Rocambole, nome por que era conhecido o actor principal.      
A popularidade desse herói crapuloso foi tal, que os capítulos sucederam-se naquela publicação ao longo de vinte e cinco anos.
Os romances intermináveis, mas solidamente estruturados, baseavam-se, essencialmente, na intriga.
Uma intriga complexa em que as peripécias e as situações imprevistas mantinham continuamente o leitor na expectativa - atentados maquiavélicos, usurpações de identidade, crimes, fraudes, disfarces, vinganças, violações, tudo isso com arrependidos e penitentes pelo meio de modo a segurar o leitor durante o desenrolar da acção.

Vem este intróito a propósito das situações rocambolescas que ultimamente se têm vivido ultimamente cá na Lusitânia em diversos sectores da vida nacional e com mais incidência no sector da política. De facto, os nossos eleitos, os filhos da Pátria, não param de nos surpreender com as suas traquinices, as suas birras, a sua incompetência, os seus cambalachos e o seu total desconhecimento do país real!
Mas tudo isto já vem de longe. É a nossa sina, o nosso fado. É a sina do povo. É o mar no seu constante vaivém. Coitado do mexilhão...
Já em 1877, Ramalho Ortigão escrevia: "A política converteu-se em uma vasta associação de intriga, em que os sócios combinam dividir-se em grupos, cuja missão é impelirem-se e repelirem-se sucessivamente uns aos outros, até que a cada um deles chegue o mais frequentemente que for possível a vez de entrar e sair do Governo. Nos pequenos períodos que decorrem entre a chegada e a partida de cada ministério o grupo respectivo renova-se, depondo alguns dos seus membros nos cargos públicos que vagaram e recrutando novos adeptos candidatos aos lugares que vieram a vagar. É este o trabalho de assimilação e desassimilação dos partidos, que constitui a vida orgânica do que se chama a política portuguesa..."
E digam lá se isto não é sina!...







UMA REFEIÇÃO QUENTE



Era um homem corpulento caminhando lentamente e olhando o chão como que a procurar o sítio onde devia colocar os pés. Quando entrou, estavam apenas duas pessoas no café: um rapazito franzino atrás do balcão e um magricelas sentado lá no canto, que chupava um cigarro e se entretinha a olhar as espirais que se desprendiam das baforadas de fumo que lançava no ar.
O desconhecido aproximou-se do balcão lentamente, tossiu para limpar a garganta e aclarar a voz, expeliu o estorvo e disparou: «Tenho fome e sede e não tenho dinheiro. Tenho sono e também não tenho dinheiro para pagar o quarto...»
O rapazito do bar, assustado, arregalou os olhos. O magricelas parou de fumar, mediu o colosso de alto a baixo e recomeçou a contemplação das espirais. E o desconhecido insistiu: «Tenho fome, já disse! Quero comer. Se não...»
E então o magriço, fanfarrão, e a sorrir, soltou uma gargalhada estridente que encheu a sala... O empregado do bar, pouco à vontade, acelerou o movimento do pano com que limpava o balcão. O estrangeiro, a passos lentos, aproximou-se do homem do canto, puxou uma cadeira, sentou-se e berrou: «Ora repita lá a risada...»
Fez-se silêncio na sala. Um moscardo embateu fortemente contra o quebra-luz do candeeiro do tecto. E enquanto o rapaz do bar olhava a porta como que a medir de antemão a distância que teria de percorrer para fugir, o estrangeiro pousou as enormes manápulas nos ombros do fumador, sacudiu-o com força e insistiu: «Vamos, ria lá outra vez!...» Mas virando-se para o lado de onde vinha o matraquear dos passos do franganote que se escapulia pela porta, olhou de novo o magricelas e, sorridente, desabafou: «Não tenha medo, amigo. Isto é raiva, é a revolta que me estoura o peito... Não é nada consigo! É com esta choldra que temos aí a mandar...Estou velho, trabalhei durante toda a vida, contribuí para que esses senhores hoje ganhem balúrdios e, agora, depois de ter sido um dócil instrumento do sistema, tenho uma reforma que não dá para comer todos os dias. Não tenho família, estou no mundo sozinho, e tenho fome. E porque roubar vai de encontro ao que me ensinaram, ando por aí às esmolas...»
Entretanto, um polícia surgiu na moldura da porta do café, talvez alertado pelo empregado que fugira e pedira socorro. Sereno, o homenzarrão olhou-o sem manifestar qualquer receio, levantou-se para o seguir e sorridente, disparou para o magricelas que, de olhos arregalados, surpreendido, tinha parado de chupar no cigarro: «Adeus, amigo! Nada mal. Hoje, pelo menos, tenho um tecto e uma refeição quente!...»
  











          


VIVER A VIDA



Entre outras e variadas reflexões que o escritor francês André Maurois nos deixou no seu livro intitulado a “Arte de Viver”, há uma que tento adoptar, não como antídoto eficaz contra a velhice, mas como uma espécie de retardador da sua chegada.
Escreveu ele que «O verdadeiro mal da velhice não é o enfraquecimento do corpo, é a indiferença da alma».
Acredito que esta pequena frase seja motivo de troça por parte de muita gente, mas no meu caso pessoal, como crente que sou, e pelas experiências vividas, nela está o segredo para que a partir de certa idade a vida se não transforme num inferno terrestre.
Sou, como todos sabem, um homem velho. Já passei por muitas situações, boas e más.
Nunca ocupei um lugar de destaque, nunca fiz um grande feito pela humanidade, nada que me transformasse num herói.
Mas mesmo assim gosto da vida e de tudo o que ela me tem proporcionado até hoje. Por isso não quero adormecer para sempre. Não quero deixar os que me são queridos, as árvores e as flores do meu quintal…
Quem disse que já estou a mais, que não faria falta a ninguém? E mesmo que não fizesse onde está escrito que isso é motivo para deixar a vida? Quem pensa assim? Vocês, o meu médico? O psiquiatra que vê em mim um potencial cliente?
É curioso! Aos dez anos, imaginava que aos vinte já seria um homem. Aos 20 pensava que aos 60 seria já velho, mas ao completá-los senti-me jovem e pensava cá pra mim: velhice só aos 70… E chegaram os 80. E passaram. E ao contrário dos meus netos, continuo a fazer contas sem ajuda da calculadora!  
Então venham mais 10, venham tantos quantos forem possíveis. Velho jovem? Velho maluco? Podem chamar-me o que quiserem, mas eu quero viver!
Como é maravilhosa e linda esta caminhada que é a vida quando ao longo do percurso a lapidámos com o cinzel da humildade e a unimos com laços familiares!
Não precisei de estudar os grandes tratados de filosofia ou outros, para aprender o valor da amizade e a cultura dos princípios. Também sei que esta é a última etapa da vida, a derradeira. A dimensão biológica começa a esgotar-se e por isso ficamos também mais sensíveis a gestos de bondade que nos arrastam facilmente às lágrimas.
Mas apesar de tudo, apesar de velho e de habitar este retângulo, esta espécie de jardim zoológico onde coabitam os mais variados humanóides – ladrões, incompetentes, corruptos, parasitas, prepotentes, parasitas e vermes nojentos -- eu quero continuar a viver…