Ainda a
propósito do assunto da minha crónica anterior, já nos longínquos tempos da
minha meninice havia em certas localidades um ferrador, que era um indivíduo que tinha como profissão tratar do
“calçado” das alimárias, mais especificamente dos cavalos e das éguas.
Quando o homem começou a
servir-se destes animais para executar os seus trabalhos, tanto para a sua
própria locomoção como para o trabalho da agricultura, apercebeu-se que o ponto
fraco dos bichos era o casco – as unhas dos solípedes.
Em terreno pedregoso, por vezes,
os cascos sofriam cortes e impossibilitavam os animais de cumprir as suas
tarefas, chegando mesmo a obrigar à sua imobilização.
Era, por isso, necessário
protegê-los. Para o efeito, e segundo livros antigos, teriam sido feitas
diversas tentativas com o material da época, como couro, cordas, etc., até que
surgiu o ferro que foi moldado no formato dos cascos, e que deu origem àquilo a
que passou a chamar-se ferradura.
A ferradura era colocada na forja
e, quando incandescente, era batida na bigorna e ajustada ao casco do animal.
Seguia-se depois a sua aplicação por meio de cravos, uma espécie de pregos, que
sem ferir o animal, a seguravam.
Parece que estou ainda a ver o
senhor José ferrador, de avental de couro, martelo em punho, batendo o ferro e
moldando sobre a bigorna, a ferradura incandescente para aplicar nos cascos do
animal – cavalo ou égua – que, pacientemente, esperava “os sapatos” novos
encurralado, entre duas tábuas!
Não me lembro de ter visto ou
ouvido dizer que igual forma de calçado tivesse sido aplicado, na minha região,
quer a um jumento, quer a um burro e sempre atribui tal facto à falta de
“linhagem” dessa categoria de solípedes que eram considerados de segunda
classe. Cavalo é cavalo, e burro é burro. Nada de confusões…
E como o burburinho dos diplomas
e das “licenciaturas relâmpago” ainda não cessou, lembrei-me daquela historieta
passada no tempo em que os animais falavam. E era assim... Havia um ricaço que
apesar de todo o seu dinheiro, não sabia ler nem escrever. Um dia disseram-lhe
que tinha aberto uma repartição do Estado onde vendiam certificados de doutor
mediante o pagamento de uma avultada soma.
O homem informou-se, e um dia
apresentou-se no local onde, em troca de um saco de ouro, lhe deram um título
de doutor. Na volta, logo avisou o cavalo: “Cautela com os tropeções. Agora que
sou doutor, cuidado com o trote…” O cavalo engoliu em seco e logo pensou em ir
também comprar um certificado igual para ficar à altura do dono. E foi. Mas não
o obteve, pois logo o informaram “que não... que não, que esses diplomas especiais
e instantâneos não se destinavam a cavalos. Eram só para burros...”. Qualquer
semelhança entre esta historieta e o que recentemente se tem passado cá no
rectângulo no que diz respeito a licenciaturas pode não ser mera coincidência.