terça-feira, junho 30, 2009
Diplomas
Nos já longínquos tempos da minha meninice havia em certas localidades um ferrador, que era um indivíduo que tinha como profissão tratar do “calçado” das alimárias, mais especificamente dos cavalos e das éguas.
Quando o homem começou a servir-se destes animais para executar os seus trabalhos, tanto para a sua própria locomoção como para o trabalho da agricultura, apercebeu-se que o ponto fraco dos bichos era o casco – as unhas dos solípedes.
Em terreno pedregoso, por vezes, os cascos sofriam cortes e impossibilitavam os animais de cumprir as suas tarefas, imobilizando-os. Era, por isso, necessário protegê-los. Para o efeito, e segundo livros antigos, teriam sido feitas diversas tentativas com o material da época, como couro, cordas, etc., até que surgiu o ferro que foi moldado no formato dos cascos, e que deu origem aquilo a que passou a chamar-se ferradura.
A ferradura era colocada na forja e, quando incandescente, era batida na bigorna e ajustada ao casco do animal. Seguia-se depois a sua aplicação por meio de cravos, uma espécie de pregos, que sem ferir o animal, a seguravam.
Parece que estou ainda a ver o senhor José ferrador, de avental de couro, martelo em punho, batendo o ferro e moldando sobre a bigorna, a ferradura incandescente para aplicar nos cascos do animal – cavalo ou égua – que, pacientemente, esperava “os sapatos” novos encurralado, entre duas tábuas!
Não me lembro de ter visto ou ouvido dizer que igual forma de calçado tivesse sido aplicado, na minha região, quer a um jumento, quer a um burro e sempre atribui tal facto à falta de “linhagem” dessa categoria de solípedes que eram considerados de segunda classe. Cavalo é cavalo, e burro é burro. Nada de confusões…
A propósito: conhecem aquela história do tempo em que os animais falavam? Se não a conhecem ela aqui vai: Havia um ricaço que apesar de todo o seu dinheiro, não sabia ler nem escrever. Um dia disseram-lhe que tinha aberto uma repartição do Estado onde vendiam certificados de doutor mediante o pagamento de uma avultada soma. O homem informou-se, e um dia apresentou-se no local onde, em troca de um saco de ouro, lhe deram um título de doutor. Na volta, logo avisou o cavalo: “Cautela com os tropeções. Agora que sou doutor, cuidado com o trote…” O cavalo engoliu em seco e logo pensou em ir também comprar um certificado igual para ficar à altura do dono. Foi, mas não o obteve, pois logo o informaram que esses diplomas não se destinavam a cavalos. Eram só para burros…
segunda-feira, junho 29, 2009
A VIDA
A vida é o dia de hoje,
A vida é ai que mal soa,
A vida é sombra que foge,
A vida é nuvem que voa
A vida é sonho tão leve
Que se desfaz como a neve
E como o fumo se esvai:
A vida dura um momento,
Mais leve que o pensamento,
A vida leva-a o vento,
A vida é folha que cai!
João de Deus
A vida é ai que mal soa,
A vida é sombra que foge,
A vida é nuvem que voa
A vida é sonho tão leve
Que se desfaz como a neve
E como o fumo se esvai:
A vida dura um momento,
Mais leve que o pensamento,
A vida leva-a o vento,
A vida é folha que cai!
João de Deus
quarta-feira, junho 24, 2009
Masturbações
Dizia-me há dias um dos meus mais jovens leitores, que uma rubrica influente deve abordar todos os assuntos – dos mais insignificantes aos mais complexos – desde que todos eles sejam considerados sérios e importantes.
E ao pedir-lhe que me desse um exemplo de um tema que gostasse de ver focado nesta rubrica, olhou-me do alto dos seus cento e oitenta e cinco centímetros e, catedraticamente, disparou:
-A sexualidade, meu amigo, o sexo! Não vês que é, hoje em dia e a seguir à política e ao futebol, a coisa de que mais se fala, em toda a comunicação, quer televisiva, radiofónica ou escrita?...
E foi assim, prezados leitores, que me senti na obrigação de me documentar para, à minha maneira, fazer a abordagem de tão escaldante assunto.
E vai daí, numa primeira fase, dirigi-me à Sociedade Mundial de Sexologia e pedi que me enviasse os “Cadernos de Sexologia Clínica” da autoria do seu fundador e presidente.
A resposta não se fez esperar. A obra encontrava-se esgotada e foi-me proposto, em substituição, o envio de uma cassete vídeo aconselhada a casais responsáveis e desejosos de aperfeiçoar e conhecer melhor o velho caminho do prazer.
Não respondi. Entretanto fiz algumas pesquisas, li várias obras relacionadas, mas nada vi ou li que já não soubesse…
Uns meses depois recebi de um senhor com um nome esquisito e que se dizia doutorado em “psicosexologia” e “neuropsicologia”, uma proposta do envio, contra reembolso, de três cassetes que ministravam um curso intitulado “Sexotónico.
Como exemplo da eficácia que o referido curso poderia vir a ter no que ao sexo diz respeito, o proponente fazia uma comparação entre o vaivém espacial e os foguetes das festas das aldeias.
Explicava ele que “enquanto a subida do vaivém é prolongada, a dos foguetes é efémera, pois tão depressa sobem como depressa caem…”
Além de não ter percebido bem a “mensagem”, também achei exagerado o preço do curso e artificial e pouco credível a maneira de tratar um assunto tão complexo.
Mesmo sabendo de antemão que vou desiludir o meu amigo, desisti de fazer mais pesquisas sobre o tema.
E para vos falar com toda a franqueza, em questões de sexo já me basta ter de assistir às masturbações intelectuais, ao fluxo palavroso, que escorre, peganhento, dos discursos balofos e narcisistas de certos políticos da nossa praça.
sexta-feira, junho 12, 2009
Rescaldo
Terminou, por agora, a poluição televisiva, motorizada, barulhenta e agressiva, desses grupos coloridos de gentes e de veículos que percorreram o país durante mais uma campanha de caça ao voto.
Durante o tempo que durou a caçada, nunca, a meu ver, a vida política nacional se assemelhou tanto ao tráfego caótico numa estrada estreita e esburacada num fim-de-semana prolongado.
De tudo se viu – excesso de asneiras, condução sem licença, taxa de alcoolemia acima do permitido, circulação pela faixa contrária, despistes, ultrapassagens perigosas, insultos mútuos, falta de civismo... Nada faltou nesse engarrafamento de ideias onde tudo se misturou e nada se ouviu de concreto.
Não há dúvida que foi deveras confrangedor o espectáculo que nos ofereceram tanto os que se apresentaram para nos representar na Tribuna da Europa, como alguns dos que os apoiavam!...
Quando o responsável por uma das principais bases da civilização, que é a Cultura, desce os degraus da escada e vem, consciente, chafurdar na lama apodrecida do charco da política usando uma linguagem em nada condizente com o cargo que ocupa, é certo que nada mais nos separa dos homens das cavernas.
De todo esse conjunto de acusações mútuas, de todos esses excessos de linguagem, de todos os atentados à sanidade mental dos eleitores, de toda essa falta de educação e princípios, o que se poderá esperar dos futuros eleitos?
Se o seu trabalho em Bruxelas corresponder àquilo que demonstraram durante o tempo que percorreram o país trocando acusações pessoais e esquecendo o seu principal dever, então podemos estar certos de que nada mais nos resta do que encomendarmo-nos a Deus e esperar um milagre! Um milagre que nos traga de volta homens que saibam o que é a lei da honra, essa Honra tradicional portuguesa, criadora de homens de um só rosto de um só parecer. Homens que digam o que pensam e não apenas o que lhes convém. Homens de carácter, sem a sede doentia do lucro e do prazer. Homens que professem os valores essenciais da democracia que apregoam...
Por tudo aquilo que se viu e ouviu, com constantes atropelos às mais elementares regras da educação, não restam dúvidas que se esqueceu o «cargo» e se passou a defender o «tacho».
É muito triste assistir a toda esta vergonha e chegar à conclusão de que a ganância, a vaidade e o interesse, desnudam e põem a claro a falta de Ética de certos homens que, pelo lugar que ocupam na sociedade, deveriam comportar-se como verdadeiros cidadãos – íntegros, honestos e defensores dos verdadeiros desígnios da Nação.
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