sexta-feira, janeiro 23, 2009
Carta ao Zé
Pois é, meu caro Zé pagante! Agora torces a orelha, mas já é tarde… Eu não te dizia que mais ano, menos ano, mais mês, menos mês, mais dia, menos dia, a coisa iria acontecer? Então julgavas que podíamos continuar nesta roubalheira descarada? Eu sei que quem paga as favas somos sempre nós, os pequenos, mas é dos livros: “o povo vota mas não manda…”
E não fosse esta crise mundial que pôs a nu muitos podres daquela gente que deveria ser a “nata” da nossa sociedade, (mas que não é!...) continuaríamos a alimentar esses pançudos até que a barriga, de tão cheia, lhes rebentasse o cós das calças.
Não te esqueças, Zé, que foste também tu que contribuíste para que esses proxenetas da política subissem aos lugares que ocupam. Pensavas que bastava o cheiro das rosas para transformar um laranjal moribundo, invadido pela cochonilha e pela ferrugem, numa nova mancha verde sem ervas daninhas, sem parasitas e sem podridão?!...
Ingénuo que és! Já Alexandre Herculano dizia “que a história política é uma série de desconchavos, de torpezas, de inépcias, de incoerências, ligadas a um pensamento constante que é o de enriquecerem os chefes de partido…”
E se nessa altura ele se referia apenas aos chefes, hoje há que incluir todos os seguidores de suas excelências: familiares, amigos, afilhados, recomendados, amásias e demais pessoal democraticamente ligado à “nobre causa” de enriquecer sem trabalhar.
Quanto a maneiras de pensar e agir nunca conseguirás entrar nessa linha de pensamento usada pelos tais proxenetas de que acima falei. Político é político e interpretar o que dizem ou explicar o porquê daquilo que fazem, é um segredo da classe, embora quase sempre haja um cheirinho a dinheiro que se escapa por uma frincha do testo da panela …ou do tacho!
Desemprego, miséria, exclusão social, insegurança, doença na Saúde, agitação no sistema educativo, tudo isso é triste, é verdade, mas acontece num mundo que não é o deles. Conheces algum político desempregado ou pobre? Conheces algum político que quando doente vá para as urgências e espere horas a fio para ser atendido? Podia citar mais exemplos, mas não vale a pena. Tu conhece-los e eles também, mas fazem de conta…
Estamos num País do “faz-de-conta”. Anda por aí muito ladrão disfarçado. Às vezes, zangam-se as comadres e sabem-se algumas verdades. Mas os “bombeiros de serviço” vêm logo com o extintor e nunca se sabe a verdadeira causa do “incêndio”.
Do que me dizes acerca do prejuízo das acções que tinhas na Bolsa, nada te sei dizer, pois, como sabes, em questões de Bolsa confiei sempre só na minha. Acerca do dinheiro que tinhas no tal Banco, também nada posso acrescentar. O meu está seguro. Continuo a guardá-lo no meu colchão…
Perguntas-me quando é que “isto” irá mudar. Não sei. Há um fosso enorme entre a vida real e aquela que vai na cabeça dos políticos. Além disso somos poucos e pequenos e estamos entre gente desonesta, sem vergonha, sem princípios e sem escrúpulos de qualquer espécie.
Há 34 anos que fizemos uma aposta. Como na lotaria. E o resultado aí está. Uma ligeira “aproximação”que mais parece uma continuação -uns a nascer na lama e outros nas nuvens; uns a morrer de fome e outros de fartura. Vem aí a próxima ou próximas extracções – uma europeia e duas nacionais. Habilita-te, Zé, mas não te queixes se mais uma vez apostares nos números errados…
quinta-feira, janeiro 22, 2009
Realidades
Acontece quando estou muito tempo só. Abstraio-me de tudo o que me rodeia e, cautelosamente, levanto o véu dos meus espaços imaginários. E nem sempre a fantasia consegue apagar a realidade. Muitas vezes, atravessando-se no caminho do pensamento, a velhice interrompe projectos e sonhos. E é nesses momentos de reflexão que, ao descer a montanha, relembro pedaços do caminho percorrido na subida.
Como na projecção de um filme antigo a preto e branco, com cenas por vezes desfocadas e aquele relampejar constante motivado pela antiguidade da película, as imagens da adolescência, perpassam-me fugazmente pela retina. Por detrás de uma neblina carregada de recordações surgem-me de quando em vez, rostos risonhos de companheiros de infância que jogam o pião, a bilharda e outras brincadeiras. Mas tudo mudou!...
Gentes, hábitos e mentalidades, foram evoluindo ao longo do tempo. Não! Ao contrário do que muitos possam pensar ao lerem este intróito, respeito o passado, mas não o desejaria nunca como futuro.
Também nunca senti o peso dos anos, pois considero (até este momento em que escrevo!...) que o seu somatório aritmético não corresponde, em muitos casos, à velhice real.
A velhice, hoje como ontem, e apesar de todos os avanços da ciência, abrange a decadência física e mental de todos os indivíduos, independentemente das suas idades.
O amontoar dos anos não significa senilidade ou falta de espírito. E como há jovens com sinais de decrepitude tão pronunciados que a velhice já tomou conta deles, também há idosos que, para além do seu saber e experiência, exibem ainda uma juventude saudável e contagiante.
É por isso que, em muitos casos, é difícil saber onde, exactamente, se situa a terceira idade.
Infelizmente, um conceito simplista acordado pela maioria das pessoas inclui nessas duas palavras, indiscriminadamente, todos aqueles que ultrapassaram a barreira das seis dezenas de anos.
No Antigo Testamento o idoso era referido como o exemplo para os demais. Ele era o transmissor da sabedoria e a velhice era considerada uma bênção, uma riqueza que devia agradecer-se a Deus.
Mas os tempos foram mudando e hoje do homem sábio, do homem do bom conselho, do homem temente a Deus, passou-se ao velho marginalizado, ao homem desprezado, ao homem para quem a sociedade não encontra lugar...
São fáceis de encontrar as razões desta inversão: num mundo em que os valores económicos ultrapassaram e quase esmagaram os valores espirituais e culturais, não têm lugar aqueles que na escrita fria dos números deixaram de figurar na coluna do "Haver".
No nosso mundo civilizado, muitas vezes, a morte de um velho é alívio de novos… Ingénua ou propositadamente, esquecem, esses jovens e até alguns menos jovens que também eles são elos da mesma corrente!
Como na projecção de um filme antigo a preto e branco, com cenas por vezes desfocadas e aquele relampejar constante motivado pela antiguidade da película, as imagens da adolescência, perpassam-me fugazmente pela retina. Por detrás de uma neblina carregada de recordações surgem-me de quando em vez, rostos risonhos de companheiros de infância que jogam o pião, a bilharda e outras brincadeiras. Mas tudo mudou!...
Gentes, hábitos e mentalidades, foram evoluindo ao longo do tempo. Não! Ao contrário do que muitos possam pensar ao lerem este intróito, respeito o passado, mas não o desejaria nunca como futuro.
Também nunca senti o peso dos anos, pois considero (até este momento em que escrevo!...) que o seu somatório aritmético não corresponde, em muitos casos, à velhice real.
A velhice, hoje como ontem, e apesar de todos os avanços da ciência, abrange a decadência física e mental de todos os indivíduos, independentemente das suas idades.
O amontoar dos anos não significa senilidade ou falta de espírito. E como há jovens com sinais de decrepitude tão pronunciados que a velhice já tomou conta deles, também há idosos que, para além do seu saber e experiência, exibem ainda uma juventude saudável e contagiante.
É por isso que, em muitos casos, é difícil saber onde, exactamente, se situa a terceira idade.
Infelizmente, um conceito simplista acordado pela maioria das pessoas inclui nessas duas palavras, indiscriminadamente, todos aqueles que ultrapassaram a barreira das seis dezenas de anos.
No Antigo Testamento o idoso era referido como o exemplo para os demais. Ele era o transmissor da sabedoria e a velhice era considerada uma bênção, uma riqueza que devia agradecer-se a Deus.
Mas os tempos foram mudando e hoje do homem sábio, do homem do bom conselho, do homem temente a Deus, passou-se ao velho marginalizado, ao homem desprezado, ao homem para quem a sociedade não encontra lugar...
São fáceis de encontrar as razões desta inversão: num mundo em que os valores económicos ultrapassaram e quase esmagaram os valores espirituais e culturais, não têm lugar aqueles que na escrita fria dos números deixaram de figurar na coluna do "Haver".
No nosso mundo civilizado, muitas vezes, a morte de um velho é alívio de novos… Ingénua ou propositadamente, esquecem, esses jovens e até alguns menos jovens que também eles são elos da mesma corrente!
Frio
Estes dias de frio intenso têm-me feito lembrar aqueles do meu tempo de menino e moço em que logo que saíamos de casa a caminho da escola as calçadas da minha aldeia se encontravam brancas e escorregadias da geada que tinha caído durante a noite. A juntar a isso aquele vento de suão que geralmente soprava em Janeiro e vinha quase sempre por altura do Santo Amaro, santo que era e continua a ser o Padroeiro cá do burgo, emoldurava o ambiente frio de então…
Era no tempo em que, sobretudo nos meios rurais, se usava, como calçado, os socos, uma espécie de tamancos fechados. Eram feitos de uma madeira própria, se não me engano da faia, e tinham atacadores de couro. Os tamanqueiros, antecessores dos sapateiros, esmeravam-se na sua confecção e alguns fabricavam, manualmente, claro, autênticas “obras de arte” no sector da tamancaria.
Havia quem lhes pusesse no rasto umas tiras de borracha pregadas com pregos finos, para que tivessem mais aderência e não escorregassem.
Aqui e além, numa poça de água, o Sol fazia brilhar o gelo e então, ao mesmo tempo que caminhávamos, lá nos íamos entretendo a esmagar esses montículos de “cristal” que se espalhavam pela calçada.
Já não me recordo se nessa altura era tão sensível ao frio como agora, mas penso que não e do que me lembro é da sensação de desconforto quando em noites frias ia para a cama e me deitava entre lençóis de linho. Dava a impressão que estavam molhados. Ainda hoje me arrepio quando me lembro disso.
Também ainda não havia luz eléctrica e mal a noite chegava lá se acendia o candeeiro a petróleo, a candeia de azeite, as velas de cera ou o gasómetro a carbureto. Como aquecedores havia a lareira e nalgumas casas usavam-se as braseiras, um recipiente de cobre onde se colocavam brasas previamente tiradas da lareira e abafadas num pote de barro preto, que eram depois reacendidas e reutilizadas.
Lembro-me também da escalfeta da D. Aurora, a minha primeira professora. Era uma caixa rectangular de madeira, forrada a zinco e com a tampa crivada de buraquinhos por onde saia o calor. Geralmente íamos buscar as brasas a casa das vizinhas da escola ou então preparávamo-las nós com molhos de vides que queimávamos e depois enchíamos o recipiente.
Este intróito para vos dizer que este frio e ao contrário do desses tempos passados, me deixa completamente paralisado!
Seja a idade ou os trinta anos que vivi sob o calor tórrido dos trópicos, o certo é que desabituei-me de baixas temperaturas. Há dias em que nada me aquece e nada me apetece fazer. Já experimentei a cama, mas também não resulta, pois arrisco-me a morrer asfixiado sob o peso dos cobertores…
Enquanto a minha chefe me diz que eu sinto frio porque não trabalho como ela, outros dizem-me que o meu frio não é verdadeiro, que o meu frio é psicológico!
Tanto ela como eles podem ter razão. Mas o frio, quem o tem sou eu …
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