quinta-feira, janeiro 22, 2009

Realidades

Acontece quando estou muito tempo só. Abstraio-me de tudo o que me rodeia e, cautelosamente, levanto o véu dos meus espaços imaginários. E nem sempre a fantasia consegue apagar a realidade. Muitas vezes, atravessando-se no caminho do pensamento, a velhice interrompe projectos e sonhos. E é nesses momentos de reflexão que, ao descer a montanha, relembro pedaços do caminho percorrido na subida.
Como na projecção de um filme antigo a preto e branco, com cenas por vezes desfocadas e aquele relampejar constante motivado pela antiguidade da película, as imagens da adolescência, perpassam-me fugazmente pela retina. Por detrás de uma neblina carregada de recordações surgem-me de quando em vez, rostos risonhos de companheiros de infância que jogam o pião, a bilharda e outras brincadeiras. Mas tudo mudou!...
Gentes, hábitos e mentalidades, foram evoluindo ao longo do tempo. Não! Ao contrário do que muitos possam pensar ao lerem este intróito, respeito o passado, mas não o desejaria nunca como futuro.
Também nunca senti o peso dos anos, pois considero (até este momento em que escrevo!...) que o seu somatório aritmético não corresponde, em muitos casos, à velhice real.
A velhice, hoje como ontem, e apesar de todos os avanços da ciência, abrange a decadência física e mental de todos os indivíduos, independentemente das suas idades.
O amontoar dos anos não significa senilidade ou falta de espírito. E como há jovens com sinais de decrepitude tão pronunciados que a velhice já tomou conta deles, também há idosos que, para além do seu saber e experiência, exibem ainda uma juventude saudável e contagiante.
É por isso que, em muitos casos, é difícil saber onde, exactamente, se situa a terceira idade.
Infelizmente, um conceito simplista acordado pela maioria das pessoas inclui nessas duas palavras, indiscriminadamente, todos aqueles que ultrapassaram a barreira das seis dezenas de anos.
No Antigo Testamento o idoso era referido como o exemplo para os demais. Ele era o transmissor da sabedoria e a velhice era considerada uma bênção, uma riqueza que devia agradecer-se a Deus.
Mas os tempos foram mudando e hoje do homem sábio, do homem do bom conselho, do homem temente a Deus, passou-se ao velho marginalizado, ao homem desprezado, ao homem para quem a sociedade não encontra lugar...
São fáceis de encontrar as razões desta inversão: num mundo em que os valores económicos ultrapassaram e quase esmagaram os valores espirituais e culturais, não têm lugar aqueles que na escrita fria dos números deixaram de figurar na coluna do "Haver".
No nosso mundo civilizado, muitas vezes, a morte de um velho é alívio de novos… Ingénua ou propositadamente, esquecem, esses jovens e até alguns menos jovens que também eles são elos da mesma corrente!

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