quarta-feira, outubro 07, 2015

SONHOS




Mal cheguei à rua, apossou-se de mim um sentimento muito estranho, uma espécie de pressentimento de que qualquer coisa de muito extraordinária tinha acontecido. Havia muita gente a agitar bandeiras, gritando, esbracejando, os automóveis passavam a buzinar, enfim, um burburinho dos diabos. Avancei um pouco receoso, parei no quiosque da esquina, olhei o jornal que habitualmente costumo comprar e quando vi a primeira página não quis acreditar!...
Percorri então os títulos dos outros e, em letras garrafais, todos anunciavam coisas surpreendentes. E comecei a ler:
Aumento das reformas dos pobres; pacto entre todos os partidos com vista a tirar o país da crise; redução em 50% dos funcionários públicos; corte no número de deputados e nos seus salários; serviço de saúde grátis para quem aufere pensões baixas; despolitização da Justiça; reformulação na Educação; combate à corrupção de gravata; introdução da Cartilha Maternal de João de Deus nos infantários para o ensino do português; mobilização de todos os cidadãos inscritos nos Centros de Emprego para procederem à reflorestação da área ardida; prisão perpétua para os incendiários; criação de uma escola de formação profissional para políticos e afins; subsídio para os agricultores que mostrem desejo de cultivar terras abandonadas; fiscalização apertada a todos os que ostentem sinais exteriores de riqueza; cancelamento de todas as reformas e outras benesses a pessoas que exerceram cargos políticos ou afins; repatriamento de todos os profissionais que tiveram de emigrar e colocação nos respectivos lugares; duplicação do orçamento da Cultura; interdição a todos os governantes de terem outros trabalhos paralelos…
Nem acreditava no que estava a ler. Finalmente o bom senso imperou.
De repente alguém me bateu no ombro:
- Acorda, homem! São sete horas! Ontem, domingo, ficaste colado à televisão à espera do resultado das eleições, deixaste os trabalhos do Jornal a meio e hoje, não sei como vais ter tempo…
Era minha mulher, previdente como sempre, a chamar-me à realidade.
Levantei-me estremunhado. Barba, banho, pequeno-almoço e ala moço que se faz tarde. 
E aqui estou nesta segunda-feira, dia 5 de Outubro, que já foi feriado nacional, mas que já não é, - e que segundo consta nem o Presidente faz a habitual discursata - a manifestar a minha frustração…O “sonho comanda a vida?” Tretas. Porém, no dizer de Pessoa, “Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso.”
E nós já temos tão pouco…

OS MASCARADOS


Vivemos num mundo de mentiras, de falsos sentimentos, de fingimentos estudados, de elogios interesseiros e de atitudes hipócritas.
Adulamos o chefe actual, falamos mal do que lhe antecedeu, do que ele fez, menorizamos o que ele deixou, mas sempre no intuito de nos autopromover e de criar à nossa volta um protagonismo ainda que passageiro, fictício e bacoco!
Fazemos tudo para alimentar o nosso ego, desvalorizando o do amigo que nos deu a mão para subirmos na escala social. Vale tudo nesta luta desenfreada em busca de um lugar no pódio!
Somos, por vezes, uma espécie de marionetas, sem movimento próprio, mas irequitas, atrevidas e palradoras, graças ao ventriluquo e exímio manipulador dos cordões atados a todas as partes do corpo. Fazemos vénias, dizemos disparates, fazemos gestos obescenos, mas porque somos marionetas, nada nos fica mal.
Criamos filmes, pintamos os cenários à nossa maneira, incarnamos personagens irreais e sempre com a pretensão de sermos únicos, de sermos diferentes, de sermos os melhores e receber os aplusos de uma plateia de gente amorfa, que só assite ao “espectáculo”, porque tiveram bilhetes à borla!
Numa sociedade como a nossa que é movida a dinheiro, até os anões conseguem igualar pessoas de estatura normal - a política tem saltos altos para disfarçar a pequenez.         
E é nessa sociedade que somos obrigados a viver. Mesmo sem partilhar desses “ideais”, dessas mentalidades ilusórias somos vítimas dessas mentes perversas e, sem escolha, somos obrigados a conviver com indivíduos mal formados, gananciosos, sem escrúpulos e que não hesitam em trair, em caluniar, em mentir, chegando a abdicar das suas raizes para conquistar um lugar à sombra da umbrela do Poder!
Com uma folha de serviço em branco, sem nada terem feito pela sociedade, pelo seu semelhantes, ei-los arvorados em modernos “samaritanos”, vestindo o manto de “cristâos novos” para melhor poderem impingir a sua falsa doutrina…
E constroem infernos, maldizem, deturpam, caluniam, mas sempre autoconvencidos de que são os melhores, os salvadores, os redentores de uma sociedade utópica que só existe nas suas pequenas e ocas cabecinhas.
Vivem para apontar erros alheios, mas são incapazes de se olharem no espelho e reconhecerem os seus. Todos temos defeitos, ninguém é perfeito, mas há pessoas que se sentem tão acima dos outros, que não param um instante para se autoavaliarem e assumirem o mal que se esconde por detrás da postiça máscara de perfeição que usam.
Há quem os trate de palhaços, mas eu prefiro chamer-lhes mascarados!