(A propósito do 6.º encontro
do “Tomaz Ribeiro”)
Já muitas vezes vos tenho aqui
falado da minha velha arca. De vez em quando abro-a, remexo, folheio os papéis
amarelecidos, e com as mãos também já envelhecidas faço uma visita ao passado.
Alguns livros por que estudei,
lá estão como que a recordar esse tempo distante e diferente – uns sem capa,
outros com folhas descoladas, ali dormem misturados com papéis decrépitos,
cheios de anotações e de muitas rasuras indiferentes ao correr do tempo e às
modernas reformas.
Às vezes, e porque já são
tantos, sinto vontade de rasgar alguns, de os queimar... Mas desisto sempre!
Eles representam os meus (já poucos) cabelos brancos, as minhas rugas, as veias
salientes das minhas mãos que o tempo tingiu de castanho-escuro. Papéis
amarelecidos. Retratos desbotados. Pétalas de flores ressequidas. Cartas…
«Velhas cartas…Antigas
confidências…
Recordações de tudo que se
quis:
Que avivam do passado as
ocorrências
- E a mocidade quanta coisa
diz!...
Velhas cartas… Desfile de
sequências…
Devaneios que, outrora,
amando, fiz,
Pois o tempo transforma em
reticências
Palavra e gesto … o que me fez
feliz!
Releio-as uma a uma… Que
ansiedade!
Adormecido mundo que desperta,
Que me envolve no manto da
saudade.
E, hoje, minha existência é
tão deserta,
Que revejo o fulgor da
mocidade,
Como se fosse a derradeira
oferta.»
E são estes papéis sem cor –
este amontoado de coisas velhas, essas sebentas rabiscadas, esse “querer” sem
“crer” de outrora – que fazem com que, de vez em quando, ao sentir-me perdido e
baralhado no meio de todo este turbilhão de loucuras e de incertezas, me fazem
subir as escadas, ir ao sótão, abrir a minha velha arca…e sonhar um pouco!
Não sou poeta, mas sou um fervoroso
adepto dessa mistura de filosofia e de religiosidade que é a saudade. E as
saudades são uma espécie de sonho, uma poesia abstracta... E para mim, esse
sonho, se não é poesia, é metade da realidade...