sábado, fevereiro 21, 2009
Disfarces
On peut rire de tout, mais pas avec tout le monde.
Pierre Desproges
Era Domingo gordo. Tinha chegado o dia. Finalmente iria divertir-se à grande e à portuguesa!...
Primeiro pensou em mascarar-se de Ministro, mas a mãe dissuadiu-o do intento: - Nem penses nisso, filho. Já pensaste na figura ridícula que farias, qualquer que fosse a cara do que escolhesses?
Anacleto reflectiu, reconsiderou, e resolveu então disfarçar-se de ladrão. No meio de tantos, era mais fácil passar despercebido...
Muniu-se então de um velho saco de campismo, pôs dentro uma pistola-metralhadora em plástico, um velho alicate, um pé de cabra enferrujado, e ei-lo na rua.
Mas logo ao virar da esquina, eis que surge uma farda: - Em nome da Lei, abra lá o saco!... E, apalermado, Anacleto, obedeceu. Abriu, e não conseguiu convencer a "autoridade" de que se tratava apenas de um disfarce: - Com que então, nem aos Domingos!... Com todo este arsenal onde vais, ó velhinho?!... Vá, andor, p'rá esquadra... e já!
Pelo caminho, completamente transtornado, sem conseguir raciocinar, pensou ainda que tudo aquilo não passava de um pesadelo.
E já naquilo que ele julgou ser a esquadra, a voz rouca do homem fardado, voltou a ouvir-se: - Chefe, aqui tem um figurão que apanhei agora mesmo...
Anacleto tentou falar, mas logo o outro se adiantou: - Cala a boca. Só falas quando eu disser... E, então, aquele que dava pelo nome de Chefe, começou a tirar do saco o material: - Com toda esta sofisticada panóplia, com certeza que ias assaltar o Banco de Portugal, não?!... Anacleto julgou ver um sorriso irónico no rosto do inquiridor e arriscou: - Mas chefe, eu sou um homem honesto e fiz tudo isto por ser Carnaval...
E a resposta não se fez esperar: - Senhor agente chame aí o quebra-ossos que aqui o nosso amigo está a mangar com a tropa...Mas a ordem foi suspensa, porque a cara do "preso" inspirava, de facto, compaixão. E o Chefe deixou que ele falasse. E ele expôs, calmamente, o seu caso, a sua brincadeira... E o homem dos galões achou até piada e quando se preparava para repreender o seu subordinado pela sua falta de tacto, notou algo de estranho: - Ouça cá, ó soldado, o seu número de matrícula? Você não pertence a esta esquadra... E o homem, confuso: - Sabe, é que eu também não sou polícia... Como hoje é Domingo gordo... E o Chefe ameaçador: - Com que então a brincarem aos polícias e ladrões?!... Bonito. Muito grave. Muitíssimo grave. Abuso de autoridade...Isto vai custar-vos caro!...
Mas não conseguiu conter-se por mais tempo – e desatou a rir. Sem parar. E a chorar de tanto rir, lá conseguiu explicar: - Nenhum de nós os três é aquilo que parece. Eu também não sou Chefe. O uniforme que trago vestido, é alugado. Como é Domingo Gordo, e é Carnaval...
Claro que a crónica de hoje vem a propósito da quadra que atravessámos. Não quero, no entanto, deixar de lembrar que há muitas semelhanças entre a minha ficção e certas situações que quase diariamente presenciamos. É tão grande a confusão que reina actualmente cá no rectângulo que é muito difícil conseguirmos fazer a destrinça entre o que é falso e o que é verdadeiro.
quinta-feira, fevereiro 19, 2009
Vivências
A maior parte dos habitantes cá do rectângulo não vive. Corre…
Andamos cheios de pressa e sempre rodeados de novos brinquedos saídos do incomensurável ventre dessa terrível e assustadora fábrica que dá pelo nome de tecnologia. Massacrados dia e noite pela propaganda sistemática, ludibriados pela publicidade e enganados pelos falsos fazedores de milagres, não paramos!
Nesta sociedade de compra e venda, sempre de mochila às costas, vamo-la enchendo de opiniões, de quiméricos conceitos de vida, de sonhos irrealizáveis e de falsas esperanças.
E sem quaisquer certezas no amanhã, à medida que os dias vão passando, o nosso sonho vai crescendo até que nos auto-convencemos de que estamos perante a realidade.
E só quando a vida nos troca as voltas, nos barra o caminho, nos traz uma contrariedade, nos toca com uma perda, uma doença, então, acordamos, descemos à terra e verificamos que de nada valem as correrias, de nada serve o que armazenámos na mochila.
Somos enganadores enganados, concorrentes uns dos outros, com a casa cheia de bugigangas e a cabeça repleta de nada!
É o mundo que criámos. Um mundo materialista, afastado de Deus, sem valores espirituais, apenas virado para o sucesso imediato, para o dinheiro, para a ostentação, para a vaidade e para o luxo.
Procuramos ter cada vez mais “coisas” para mostrar ao vizinho, para fazer ver que também “somos”, que também “temos”e assim transmitirmos uma ideia falsa de nós próprios.
E é sempre com o conceito utilitarista do materialismo prático que não paramos de correr na ânsia de possuir. É uma espécie de escravatura, uma dependência em relação aos objectos que o progresso e a tecnologia vão parindo…
Podem não acreditar, mas, às vezes, é tanta a confusão, que a minha cabeça transforma-se num verdadeiro «Inferno»! E para complicar, surgem dúvidas e, muitas vezes, pergunto a mim mesmo se esse «Inferno» é obra da minha imaginação, – arquitectado e construído com velhas tábuas do meu sótão – ou se é mesmo um «Inferno» a sério!
Não estou a referir-me àquele Inferno existencial de que nos falava a catequista quando éramos meninos, mas a este «Inferno» que nos rodeia – a toda esta balbúrdia, a toda esta confusão, a esta podridão que tomou conta da sociedade em que somos obrigados a viver. Uma sociedade comandada pelo dinheiro, onde prolifera a mentira, a inveja, a intriga e o egoísmo; uma sociedade donde desapareceram os valores tradicionais – a honra, a dignidade, a educação, a seriedade e o respeito. Uma sociedade onde tudo se mistura sem regras, sem cautelas, usando e abusando da ingenuidade dos que menos sabem, dos que menos podem, mas que acabam, finalmente, por serem sempre os “bombos” da festa.
Não haverá uma maneira, um processo para pôr a tecnologia ao serviço do bem-estar de todos sem discriminar pessoas, mas com um sistema que distinga as necessidades reais das supérfluas?
É que, na maior parte das vezes, temos tudo o que precisamos para viver bem, mas falta-nos um bocadinho de felicidade. E isso não se compra. Temos de ser nós a construí-la. Pedra por pedra. Sem pressas. Sem correrias. E com a forte convicção de que o “material” que temos, - o que possuímos - nos chega para a sua construção.
Andamos cheios de pressa e sempre rodeados de novos brinquedos saídos do incomensurável ventre dessa terrível e assustadora fábrica que dá pelo nome de tecnologia. Massacrados dia e noite pela propaganda sistemática, ludibriados pela publicidade e enganados pelos falsos fazedores de milagres, não paramos!
Nesta sociedade de compra e venda, sempre de mochila às costas, vamo-la enchendo de opiniões, de quiméricos conceitos de vida, de sonhos irrealizáveis e de falsas esperanças.
E sem quaisquer certezas no amanhã, à medida que os dias vão passando, o nosso sonho vai crescendo até que nos auto-convencemos de que estamos perante a realidade.
E só quando a vida nos troca as voltas, nos barra o caminho, nos traz uma contrariedade, nos toca com uma perda, uma doença, então, acordamos, descemos à terra e verificamos que de nada valem as correrias, de nada serve o que armazenámos na mochila.
Somos enganadores enganados, concorrentes uns dos outros, com a casa cheia de bugigangas e a cabeça repleta de nada!
É o mundo que criámos. Um mundo materialista, afastado de Deus, sem valores espirituais, apenas virado para o sucesso imediato, para o dinheiro, para a ostentação, para a vaidade e para o luxo.
Procuramos ter cada vez mais “coisas” para mostrar ao vizinho, para fazer ver que também “somos”, que também “temos”e assim transmitirmos uma ideia falsa de nós próprios.
E é sempre com o conceito utilitarista do materialismo prático que não paramos de correr na ânsia de possuir. É uma espécie de escravatura, uma dependência em relação aos objectos que o progresso e a tecnologia vão parindo…
Podem não acreditar, mas, às vezes, é tanta a confusão, que a minha cabeça transforma-se num verdadeiro «Inferno»! E para complicar, surgem dúvidas e, muitas vezes, pergunto a mim mesmo se esse «Inferno» é obra da minha imaginação, – arquitectado e construído com velhas tábuas do meu sótão – ou se é mesmo um «Inferno» a sério!
Não estou a referir-me àquele Inferno existencial de que nos falava a catequista quando éramos meninos, mas a este «Inferno» que nos rodeia – a toda esta balbúrdia, a toda esta confusão, a esta podridão que tomou conta da sociedade em que somos obrigados a viver. Uma sociedade comandada pelo dinheiro, onde prolifera a mentira, a inveja, a intriga e o egoísmo; uma sociedade donde desapareceram os valores tradicionais – a honra, a dignidade, a educação, a seriedade e o respeito. Uma sociedade onde tudo se mistura sem regras, sem cautelas, usando e abusando da ingenuidade dos que menos sabem, dos que menos podem, mas que acabam, finalmente, por serem sempre os “bombos” da festa.
Não haverá uma maneira, um processo para pôr a tecnologia ao serviço do bem-estar de todos sem discriminar pessoas, mas com um sistema que distinga as necessidades reais das supérfluas?
É que, na maior parte das vezes, temos tudo o que precisamos para viver bem, mas falta-nos um bocadinho de felicidade. E isso não se compra. Temos de ser nós a construí-la. Pedra por pedra. Sem pressas. Sem correrias. E com a forte convicção de que o “material” que temos, - o que possuímos - nos chega para a sua construção.
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