O
tempo voa, os anos vão-se amontoando e não só a capacidade intelectual vai
diminuindo como também se vai esgotando a paciência para enfrentar esta onda de
oportunismo e de espírito mercenário.
E
se não há dia em que não confie ao meu diário as minhas angústias, as minhas
frustrações, as minhas alegrias, as minhas desilusões e também as minhas
esperanças, o certo é que, à medida que eles passam, a vontade de as
exteriorizar e confessá-las publicamente, vai-se esgotando a pouco e pouco.
Embora dotado de um espírito aberto e gregário, sempre me repugnou uma certa
espécie de promiscuidade. Não no capítulo das ideias porque nunca diferenciei
raças, castas, credos ou ideologias. Porém, em questões de ética e dos seus
princípios, mal o seu desrespeito se vislumbra, não há gregarismo que resista.
Infelizmente,
há que admitir que está assim o mundo em que vivemos. Fútil e traiçoeiro.
Vive-se num pantanal de cinismo. Rodeia-nos uma floresta onde a hipocrisia
cresce sem parar. E como teia de aranha, ela estende-se a todos os ramos. E
nessa urdidura de ambições, louva-se ou condena-se, incensa-se ou conspurca-se,
conforme os interesses em causa. E quase sempre sem olhar a consequências, nem
avaliar possíveis danos morais. É uma espécie de luta sem regras onde tudo é
permitido para se chegar à vitória.
E
neste universo de interesses inconfessáveis cresce a olhos vistos a vontade de
ser deus de qualquer coisa. E é assim, e dessa maneira, que o nosso dia a dia
está cheio de especialistas analfabetos e de vigaristas transformados em
heróis.!...
Desviei-me
talvez um pouco do tema inicial desta crónica, mas é muito difícil, ao abordarmos
qualquer assunto, mantermo-nos imunes e alheios a toda esta balbúrdia que nos
rodeia. Numa sociedade materialista e desumanizada é impossível fugir às ondas
de choque motivadas pela derrocada dos seus valores. Daí as minhas zangas e
desavenças constantes com esta "democracia por turnos" que caminha de
braço dado com esta degradação galopante dos princípios que deveriam nortear o
seu funcionamento. Uma democracia já com idade para se portar como adulta, mas
que no seu percurso continua traquina, inconstante, leviana e irresponsável.
Tudo é jogo e espectáculo. O palco está a abarrotar de pedantes e ambiciosos.
Há
teóricos, tecnocratas e doutores por toda a parte. Mas cada vez menos gente que
trabalhe. São cada vez mais os barrigudos e com contas bancárias tão dilatadas
como os seus ventres!
O
povo português tem ideal, é arrojado, tem vontade e tem mostrado que é capaz de
igualar outros povos; mas os exemplos que vêm de cima são tão maus, que tiram a
esperança ao mais optimista.