quarta-feira, janeiro 16, 2008

Ladrões




Como já tenho escrito várias vezes, sou ainda do tempo em que os ladrões eram pobres. Se alguns dormiam debaixo de telha, a maior parte tinha de se acoitar sob o vão de uma escada, num canto de uma velha casa abandonada ou num palheiro distante do povoado onde dormitavam nos intervalos dos “trabalhinhos”.
Era difícil a sua vida naqueles tempos!...
Trabalhavam, sobretudo, a coberto da noite e usavam as mais rudimentares ferramentas, enfrentavam os mais variados perigos, não tinham sindicato que os defendesse e acabavam muitas vezes nas masmorras húmidas duma cadeia comarcã. Vida difícil!...
Todos lhes eram hostis e a sociedade desse tempo defendia ferozmente os interesses do roubado e estava-se marimbando com a sorte do autor do roubo.
E isso era uma injustiça flagrante, pois as proezas arriscadas e por vezes perigosas do ladrão em nada se comparavam com a pacatez e indolência do roubado. E injustiça tanto mais grave quanto era certo que o roubado tinha a seu favor, não só as Companhias de Seguros, como a acção da polícia e a cumplicidade dos magistrados. Acrescente-se ainda que os ladrões faziam parte de uma classe onde não existia a palavra “greve”, pois se a “propriedade é o roubo”, sem ladrões desapareceriam os proprietários, os tribunais, os magistrados e seria o crescimento incontrolável do desemprego, coisa de que não se falava então…
Mas, mudam-se os tempos… e tudo isso pertence ao passado. Foram-se os “pés de cabra”, as gazuas, os alicates e hoje basta uma esferográfica para fazer o “trabalhinho”!
O roubo entrou definitivamente nos nossos costumes com regras e até com estatuto de associação. Hoje é o “desporto” mais em voga e o mais lucrativo – os ladrões são ricos e a profissão estende-se a todas as classes. E quanto maior for o furto, mais importância adquire o seu autor. Há até alguns que possuem títulos nobiliárquicos, sem falar das “excelências” e de outros títulos honoríficos que precedem o nome de muitos desses novos profissionais da ladroagem.
E que ninguém tenha dúvidas, porque a este ritmo tudo leva a crer que graças ao avanço das ciências, da tecnologia e às mil interpretações da moral, só terá futuro quem tiver feito estágio ou adquirido um diploma dessa profissão!
Os velhos tempos acabaram… E volto a citar Almada Negreiros: «É tão indecente estar sóbrio no meio de bêbados, com é indecente estar bêbado no meio de gente sóbria…».
Perceberam?!... Se não perceberam, estou às vossas ordens para explicar.